uma sexta comum do segundo ano da pandemia de covid (2021)
uma sexta à noite, no ano 2 da pandemia de covid, que transformou o brasil no epicentro da doença, por causa de um presidente chamado bolsonaro, que ficou 27 anos no congresso, defendendo ditadura e usando a máquina do governo para espalhar mentiras, as chamadas fake news.
é ridículo, filhos, acreditar que uma galera achou que ele, que era racista, homofóbico, antisemita, gordofóbico e machista declarado seria legal. sabe por que acreditaram? porque ele falava em kit gay e mamadeira de piroca. se tem coisa que deixa a galera assustada, filhos, é sexo e sexualidade.
por favor, eu só desejo 3 coisas pra vocês: que não sejam bolsonaristas, que sejam felizes e que gozem e façam gozar muito. gente reprimida sexualmente morre de medo de mamadeira de piroca. eu sei que vocês estão lendo isso e rindo, afinal, é ridículo né?
mas lembrem-se: só soa ridículo para vocês porque vocês tem uma mãe feminista, ateia e que explica pra vcs sobre sexo, sexualidade e política. que arrasta vocês pra comícios, reuniões partidárias e ações comunitárias. a maioria das crianças e adolescentes da idade de vcs não tem esse dialogo com os pais, não é invitada para "eventos de adultos" (como se crianças e jovens não fizessem parte da população brasileira, para quem os políticos legislam).
enfim, amores, uma sexta à noite do segundo ano de pandemia, no dia que morreram 3265 pessoas de covid (e o avô de vocês se salvou em janeiro, não esqueçam) e a cena é: eu tô bebendo gin tônica na sala. ouvindo música, cantando meio alto, e conversando nos grupos de mulheres. você filho, está no quarto, no seu mundo teen, jogando online com seus amigos que você não conhece ao vivo. você, filha, está dormindo na minha cama, porque é a forma de vc dormir rápido e eu não precisar ficar no pé da sua cama até você dormir (aos 7 anos!).
(henrique, aos 11, em nov de 2020)
eu te vi adolescer em casa, filho, e isso foi privilégio. eu te vi alfabetizar facilmente, filha, e isso é mérito do teu pai. eu não tenho NENHUMA resiliência emocional pra aguentar o ensino remoto. me dói demais te ver 4h na frente de um computador.
(júlia, aos 6, em nov de 2020)
eu vi um amor surgir em 2020 e morrer tristemente em 2021. eu fiz exercício, terapia e remédio.eu fui uma mãe bem meia boca. e dói estar em casa sexta à noite. não por vocês, afinal são anos vivendo em "plantão materno", mas é a falta de escolhas. acho que vocês já sabem que a mãe de vcs ama, em primeiro lugar, os dois (que foram minha revolução). mas depois eu amo trabalhar, estar com gentes na rua, beber com amigues. vocês são meus amores, mas não são minha única vida. que bom né? isso abre espaço pra vocês serem quem são, e não pra taparem meus buracos.
mas voltando a essa sexta, bebi demais, comi glúten demais, amanhã dou aula online e vcs terão mais um findi em frente às telas.
o que vocês não sabem, amores, é que semana que vem nós vamos pro mato, desconectar pra conectar. não vai ser fácil, estamos os 3 viciados, mas será importante.
eu amo vcs. vou dormir. espero, filha, que você não arranhe muito os dentes como faz quando está tensa ou com refluxo a ponto de me acordar. espero, filho, que você coloque o celular no meu quarto às 2h, como combinamos, porque amanha às 9:11h (não me pergunte pq) temos reunião online com seu tutor. eu tô odiada dessa escola que me denunciou ao CT e ao MP em 2020. mas eu vou falar e falar disso, pq se tem uma coisa que eu preciso fazer é dar voz à mas mulheres. às que têm medo de falar. eu tenho medo. medo do general assumir a presidência e prender os comunistas, e vocês serem separados e nunca mais se verem. mas eu não nasci pra ver, sentada, o povo pobre ser dizimado. eu não nasci pra deixar vcs acharem que são melhores que ninguém e que meritocracia existe. vcs são uns puta privilegiados de nascerem de genitores brancos de olhos claros e ensino superior. lembrem-se disso.
boa noite, amores. espero que eu consiga dormir (há um mês com distúrbio de sono, não tô na minha melhor fase).
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